Não Sou A Mesma Pessoa

Freestyle Público #062

Estou no mesmo lugar,
mas não sou a mesma pessoa.

Estou na mesma casa,
mas não sou a mesma pessoa.

Estou no mesmo quarto,
mas não sou a mesma pessoa.

A vida me transformou.

Meu lar me transformou.

Antes acordava nesse mesmo quarto,
perdido, confuso.

O ruído ainda tomava conta de mim.

Ao invés de acordar e se conectar comigo,
me conectava com o celular.

Ele foi um grande companheiro nesses dias de escuridão.

Para onde eu ia,
ele me acompanhava.

Eu não suportava o silêncio,
e ele era barulho que eu precisava.

Quando eu ia tomar banho,
ele era a música.

Quando eu ia lavar a louça,
ele era a conversa de fundo.

Quando eu ia comer,
ele era a paisagem.

Quando eu ia dormir,
ele era o analgésico.

Ahhh como eu queria que você pudesse sentir o que sinto hoje . . .

Mas qualquer tentativa da minha ou da sua parte, será em vão.

Se você largar o celular hoje,
Se você largar o celular essa semana inteira,
Você vai sentir um vazio terrível.

E é só depois de vencer a tempestade do vazio, que o prazer vem.

O prazer em acordar.

O prazer em tomar banho.

O prazer em lavar a louça.

O prazer em comer.

O prazer em dormir.

O prazer em fazer apenas uma ação.
E nada mais.

Não sou eu que escolho falar sobre o celular em boa parte dos meus textos . . .

É ele que sempre dá um jeito de aparecer.

Deve ser porque ele está em todo lugar.

Até mesmo onde ele não deveria estar.

O CELULAR É A MAIOR BARREIRA DA NOSSA ERA.

Ele te limita.

Ele te cega.

Mas ele te dá a sensação de ilimitação e de visão.

Ele deixa você olhar pessoas do outro lado do mundo.

Mas em troca, te impede de olhar para as pessoas da sua própria casa.

Ele deixa você ouvir podcasts, músicas, áudios.

Mas te impede de ouvir seu pai, sua mãe, filhos e irmãos.

Ele te dá opções ilimitadas de consumo, enquanto ele te consome.

Ele consome a sua alma.

Ele consome o seu ser.

Se essas palavras soam absurdas.

É porque você já está cego.

Da mesma maneira que eu também estava há pouco tempo atrás.

Se eu estou na mesma casa,
e não sou mais a mesma pessoa . . .

Foi porque um dia eu cheguei à realização que eu estava preso,
enquanto achava que era livre.

E enquanto eu achava que estava livre,
não tinha o porquê mudar.

Seus sentimentos são seus Mestres,
mas apenas se você souber escutá-los.

Quando eu acordava sem ânimo, esse sentimento era um Mestre sussurrando no meu ouvido, dizendo que eu precisava obter clareza sobre a minha vida . . .

Mas ao invés de olhar para mim,
eu olhava para o celular.

Quando eu precisava levar o celular para o banheiro, esse sentimento era um Mestre sussurrando no meu ouvido, dizendo que a minha mente estava muito estimulada e que precisava me acalmar.

Quando eu precisava lavar a louça, ouvindo podcast, esse sentimento era o Mestre mais uma vez me dizendo que eu era um viciado.

Mas eu achava que estava sendo produtivo.

Quando eu precisava comer e assistir ao mesmo tempo . . .

Esse Mestre chorava.

Ele chorava ao ver um ato sagrado, sendo bestializado.

E quando eu ia dormir olhando para o celular,
Esse Mestre não sussurrava mais.

Pois ele sabia que suas palavras seriam em vão.

Eu já tinha fritado tanto a minha mente ao longo do dia.

Que para escutá-lo, ele teria que gritar.

Mas Mestres não gritam.

Mestres sussurram.